
Depois de unir o velho com o novo, como é fotografar com uma lente retrô com mais de meio século de idade?
Como já disse na primeira parte desse post, adaptar uma lente de câmera de fole numa câmera DSLR/DSLM convencional não se limita apenas a fixar a dita cuja no corpo da máquina e sair fotografando…
… porque a lente simplesmente nunca vai colocar nada em foco!
Isso porque para conseguir o foco correto em qualquer objetiva é preciso respeitar a chamada distância focal, que é a distância (em milímetros) entre o ponto de convergência da luz até o plano do sensor onde a imagem focalizada será projetada. Esta medida junto com a abertura do diafragma é que define a maior ou menor aproximação de uma cena assim como o ângulo de visão que o fotógrafo deseja trabalhar.
Fora isso, também é preciso respeitar a Distância Focal da Flange ou simplesmente Registro, que é a distância do engate da lente (ou f\Flange) até o plano do filme/sensor.
Essa medida varia de fabricante para fabricante da lente e é o fato do registro das câmeras mirrorless como a Sony NEX, Fuji X-Mount, Panasonic/Olympus Micro Four Thirds ser tão menor, o que permite que lentes de diversos marcas e modelos possam ser utilizadas por meio de adaptadores adequados.
No nosso caso específico, a distância focal da Color-Skopar da Bessa I é de 105 mm e a maneira mais simples de chegar nesta medida é usando algum tipo de extensor como um fole de macro.
A grande sacada dessa engenhoca é que a distância focal pode ser facilmente alterada para menos ou para mais…
…permitindo assim focar desde pequenas distâncias…
…até o infinito:
Observamos que também é possível focar essa lente do mesmo modo que é feito na câmera de fole, ou seja, mantendo a distância da lente fixa e girando o seu anel de foco. O que acontece neste caso (ou pelo menos nos tripletes de Cooke e variantes), é que estamos na verdade alterando a distância focal da lente, trazendo para mais perto ou para mais longe o seu ponto de foco que, por padrão está ajustado no infinito.
Segundo os expertos, a vantagem desse sistema é que ele simplifica — e muito — o projeto e a fabricação da câmera . A desvantagem fica por conta de uma leve degradação na qualidade de imagem, de modo que essa solução era mais usada em máquinas de entrada e até mainstream equipadas com lentes de três ou quatro elementos (como as Anastigmat e Tessar), enquanto que nas versões mais sofisticadas (como a Bessa II) o conjunto da objetiva se move como um todo para fazer o foco.
Ztop in a Box
Para aqueles que, inspirados nesse post, pensam em adaptar alguma lente de câmera de fole nas suas digitais, aqui vai algumas dicas:
Utilize sempre ferramentas adequadas. Para remover o anel de rosca que fixa a lente no lugar, usei uma ferramenta especial (que os bretões chamam de “lens spanner wrench”) que possui duas pontas que se encaixam em pequenos sulcos e permitem desrosquear o mesmo de maneira firme e segura. Digo isso porque já vi muito “técnico” removendo essa peça com alicate de bico fino (UGH!) e até com a boca de paquímetro (ARGH!). O maior risco dessa gambiarra é a ferramenta escapar e uma das pontas arrancar um pedaço do anel, da sua mão ou pior — da lente (AAARGHHH!)
Além do fole, existem outros acessórios que podem ser usados para chegar na distância correta, como tubos de extensão…
… ou um adaptador com tubo de comprimento variável como esse modelo AM42M da Fotasy, que possui um mecanismo de rosca helicoidal que ajusta o comprimento do mesmo e que também pode funcionar para ajustar o foco da lente:
De fato, o uso combinado do acessório acima mais um tubo de extensão, permite substituir completamente o fole, resultando também em um conjunto menor e mais fácil de ser usado como uma câmera convencional:
Independente da solução escolhida, certifique-se que sua montagem está dentro dos limites da distância focal da objetiva ou seja, o comprimento mínimo do conjunto lente + tubos + anéis + adaptadores + registro + etc. não pode ser maior que a distância focal da lente (no nosso caso 105 mm). Caso contrário, ela pode não conseguir focar no infinito. Pequenas variações nessa medida — para mais ou para menos — pode até ser compensada com o movimento do fole.
No caso acima, o uso do fole + adaptador permite o uso pleno (incluindo foco no infinito) de lentes “longas” de 105 mm ou superior. Porém não consegui usá-lo em objetivas mais curtas como 50 mm e 75 mm a não ser em macros.E é claro, nunca se esqueça de calcular o fator de corte da lente em função do seu sensor (mais detalhes embaixo).
Outro detalhe importante a ser observada nessa adaptação é que a lente, diafragma de abertura e o obturador de folha das câmeras de fole formam um único conjunto, ao contrário das DSLR/DSLM cujo obturador fica montado no corpo. Assim é preciso encontrar um meio de manter o obturador da lente sempre aberto para que possamos focar o tema e capturar a imagem.
A maneira mais fácil de fazer isso é ajustar o seu seletor de velocidade para a o modo B (Bulb ou Beliebig), armar o disparador e baixar o gatilho que abre o obturador enquanto mantivermos a pressão no mesmo:
Como fazer isso? A solução que encontrei foi usar um pequeno elástico como aqueles usados para fazer pulseiras:
Aí é só enganchar de um lado no gatilho e do outro a alavanca do timer e consegui manter o obturador aberto o tempo que quiser:
Resolvido esse problema, o processo de tirar uma foto com essa objetiva é a mesma de qualquer outra lente manual numa câmera moderna.
Ztop in a Box II:
Além do modo “B” Alguns disparadores bem simples ou muito antigos possuem um curioso ajuste de velocidade chamado “T” (= Time) que funciona da seguinte maneira: Ao pressionarmos o disparador uma vez, o obturador abre e mantém-se aberto até que pressionemos o disparador uma segunda vez para fechá-lo.
No nosso caso, trata-se de recurso muito bacana e até desejável, já que ele dispensa o uso do elástico ou de qualquer outra adaptação para manter o obturador sempre aberto.
Mas voltando ao que realmente interessa, como é tirar fotos com essa lente?
Antes de mais nada, vale a pena relembrar que essa lente foi feita para cobrir um fotograma de 6 x 9 cm cujo tamanho do negativo é cerca de 24 vezes maior que o quadro de 17,3 x 13,0 mm do sensor Micro Four Thirds. Isso faz com que o que seria uma lente “normal” numa câmera de médio formato 6 x 9 se comporte como uma teleobjetiva numa câmera micro four thirds.
Por exemplo, a imagem abaixo foi tirada com a câmera do Zenfone 6, cuja lente equivale a uma meia-grande angular de 32,1 mm em sistemas 35mm.
Já num sistema micro four thirds, os 105 mm da Color Skopar se transformam numa tele de 210 mm em sistemas 35mm, o que mais ou menos bate com o fator de corte desse sistema (x 2,0). E se e esse for o caso, nosso palpite que essa mesma regra poderia ser aplicada em sensores APS-C (~1,6x) ou seja, essa lente de 105mm poderia se comportar como uma tele de 168 mm numa Sony NEX ou EOS Digital.
Isso de um certo modo, limita o uso dessa lente para fotos de detalhes e, no máximo, retratos. Nada de grandes grupos de pessoas ou paisagens, a não ser juntando diversas imagens por meio de alguma ferramenta de panorama.
Um problema bem comum nessas lentes antigas é a sua sensibilidade à entrada de luz direta do sol no interior da lente, o que gera o chamado “flare” — reflexos indesejados que provocam o esbranquiçamento e a perda de contraste da imagem.
Neste caso, é recomendado o uso de um parassol…
… ou mudar o ângulo da lente para que os raios de sol não incidam diretamente na objetiva…
…ou a solução para mim mais eficiente: Usar a câmera sob a proteção de alguma sombra:
Dentro de um ambiente controlado, com tempo para fazer os ajustes de foco e com a ajuda de um tripé, podemos obter resultados bem interessantes …
… tirando o máximo proveito da objetiva:
E com o uso do fole também é possível fazer macros…
… com resultador igualmente impressionantes:
No que se refere ao efeito de profundidade de campo, é possível ter algum controle sobre o efeito de desfoque do fundo (Bokeh) ajustando a abertura da lente:



Resumindo, com um pouco de paciência, conhecimento de causa e um pouco de tratamento de imagem, é possível chegar a resultados bem bacanas:
E para quem curte um filminho:
No geral, os resultados desse projeto ficaram mais ou menos dentro do que esperava, em especial no que se refere a qualidade das imagens, já que a Voigtlander sempre teve a fama de produzir lentes de primeiríssima linha. E o fato dessa Color-Skopar já vir com tratamento (ou coating) anti-reflexo também ajudou a melhorar o contraste das imagens — apesar de que, nos dias de hoje — muita coisa pode ser corrigida ou melhorada no Photoshop.
Para mim, os revezes ficaram por conta dessa objetiva de 105 mm se comportar como uma tele de 210 mm na minha OM-D (o que limita o seu uso como lente de uso geral) e por ainda não ter conseguido capturar aquele visual/clima de foto antiga (mas calma… Já estou trabalhando nisso). 😉
De qualquer modo, é bastante animador saber que é possível resgatar essas lentes que muitas vezes estão esquecidas — ou pior, até se deteriorando — dentro de alguma caixa jogada num canto da garagem ou no fundo do armário e dar-lhes uma nova vida nesse nosso mundo digital.
Se comparado com os atuais sistemas auto-tudo, fotografar com uma lente clássica exige um pouco mais de tempo, alguma perícia e muita paciência — mas quando tudo dá certo e a imagem sai do jeito (ou até melhor) do que esperávamos, a sensação de “Eu fiz isso!” é muito gratificante.
Yep! It’s a keeper! 🙂
É quase um microscópio ao invés de macro.
Já testou apontar isso para a Lua, ou algum planeta?
Ok, Let me see…
Lua:
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Júpiter:
https://a.disquscdn.com/uploads/mediaupload/tmp/e2125930c80b85fbde69a270ccb743c2c0e13a3c837094fdc9e92850/original.jpg?w=128&h=128
OK, let me see…
Primeiro Júpiter e depois a Lua:
Fotografia pra mim é uma tecnologia comparada a magia.
Como dizia Ivor Matanle “fotografia é ciência e arte” ou seja, tanto tecnologia quanto um meio de comunicar idéias.
Ele diz que o grande problema dessa metáfora é que que a medida que a fotografia se tornou cada vez mais eletrônica e automatizada, ela infelizmente também se tornou uma atividade mais monótona pela menor possibilidade de algo dar errado.
Quando comecei a escrever sobre fotografia digital no fim dos anos 1990, eu já sabia que a fotografia analógica estava condenada como ofício, mas também achava que ela sobreviveria como artesanato, ou seja, ela seria adotada/defendida por aquelas pessoas que curtem a fotografia química não pela sua eficiência e sim pelas suas idiossincrasias e até o trabalho que ela dá para fazer uma foto,
Mas como tenho preguiça de fotografar com filme e sou filosoficamente meio Zen (vergonha), optei pelo “caminho do meio” adaptando lentes antigas na minha digital.
Sweet!
Clap! Clap! Clap!
acho que removeria o “infelizmente” do texto.
Pelo contrário, a fotografia ficou mais “democrática”. A questão de dar algo errado hoje não é mais em relação a revelar, mas sim em como “bater uma foto”.
O segredo da fotografia, como já escutei de um fotógrafo por aí, é o “contar uma história”. O que a maioria das pessoas fazem com uma foto é registrar um momento. Transformar as imagens em uma ideia ou superar limites, ainda isso é trabalho de pessoas que amam a fotografia. A fotografia digital não matou o “fotógrafo de casamento” ou o “repórter fotográfico”. Abriu sim é mais caminhos para outras pessoas trabalharem na área. E quem sabe ganhar com isso, vive disto. 🙂
Não é “qualquer um” que tira uma foto da lua hoje, tal como você fez abaixo. E ainda por cima, não é qualquer um que tira uma foto da lua com uma lente fora do comum.
Não sei se me expressei mal, mas o que quis dizer não é que a fotografia como profissão vai acabar e sim que a fotografia analógica como produto e/ou serviço de massa vai — como já acabou de um certo modo.
E o que vai restar serão as aplicações especializadas (como chapas de raio-x ou o sistema Polaroid/Instax) e o mercado de entusiastas e hobbistas que, se não são muitos ao ponto de revitalizar esse mercado, pelo fazem bastante barulho.
Acho que o que Matanle diz (na realidade ele escreveu isso em 1984, no início da era do autofoco), é que as pessoas estão tão dependentes do “auto-tudo” que chegam a achar que se não existe um modo/ajuste específico para digamos — “Foto da Lua” — não tem jeito de fotografar a dita cuja.
As imagens abaixo foram capturadas com minha Canon PowerShot N tirada no modo “P”. E se eu consigo, quem não consegue?
Entendi melhor agora. Se bem que o trecho que deu a entender foi este:
“Ele diz que o grande problema dessa idéia é que que a medida que a fotografia se tornou cada vez mais eletrônica e automatizada, ela infelizmente também se tornou uma atividade mais monótona pela menor possibilidade de algo dar errado.”
Mas acho que podemos juntar tudo.
Fotografia é fotografia. Analógica ou digital. É capturar um momento.
Via de fato, mesmo digital, o risco de erro há. A não ser que se crie o “estabilizador perfeito”, com todos os modos previstos (como você colocou de Matanle). E isso ainda não existe.
Mesmo na dependência de uma “função específica”, o “clicador” comum, o que tira selfie ou manda a foto da viagem, ele quer brincar e achar uma foto perfeita. E ainda é difícil fora das condições “comuns” para uma foto perfeita.
Nessa, ele ou deixa na mão de alguém ou vira um entusiasta de fotografia.
Falo por mim: ainda me mato para tirar uma foto da Lua. Ontem eu queria tentar tirar uma foto de uma ponte iluminada, à noite, e dentro de um ônibus em movimento (Conhece a Hercílio Luz, em Florianópolis? 🙂 ) . Não existe modo para isso e eu teria que ficar brincando e achando as configurações da câmera até a hora que bater bem a foto. O “clicador” se contenta com a foto que conseguiu. Eu me contentaria se conseguisse uma foto sem tremida e bem estabilizada. 🙂
Enfim.