Campus Party: um debate cheio de dedos (apontando)
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Campus Party: um debate cheio de dedos (apontando)

Visão da platéia vista do palco principal da Campus Party

Ontem aconteceu o tal debate na Campus Party que eu, em nome deste Zumo, fui convidado a participar. Já adianto a conclusão: o debate foi irrelevante e provou que pessoas de comunicação – seja do lado dos blogueiros ou dos jornalistas, divididos em uma estranha batalha, adoram uma polêmica, mas não chegam a um consenso: o que todos fazem é comunicação, afinal. Faltou essa visão ao debate – mas por outros motivos que, se você quiser ler, clique no ‘leia mais’ lá embaixo.


Primeiro, uma menção nada honrosa à  organização do Campus Party. Quando fui convidado, o horário de início estava marcado para as 19h30. Sorte que cheguei cedo, para fugir da chuva que se anunciava em São Paulo, e descobri que o debate iria ocorrer por volta das 17h. Até então, nem tinha idéia de quem estaria na mesa – tanto pelos “blogueiros” quanto pelos “jornalistas”.

Um ponto de vista da mesa17h10: começa uma palestra da Suzana Appelbaum, da Hello Interactive. Ela citou alguns cases bacanas de integração grande mídia/redes sociais (um caso bacaninha do Heroes, por sinal), mas, ao criticar pessoas que usam indevidamente a Wikipedia, o tempo fechou. A platéia – que começava a lotar, afinal era no principal ‘auditório’ da Campus Party – vaiou. A nuvem negra que viria a seguir começava a trovejar.

Por volta das 17h40, a organização do evento chama à  mesa para o debate “O Jornalismo e Nova Economia”. Suzana continua no palco, sobem também Pedro Doria, Heródoto Barbeiro (CBN), Ethevaldo Siqueira (muso inspirador do jornalismo tecnológico brasileiro) e – mil perdões – a Fabiana, uma moça muito simpática da Abril que eu esqueci o sobrenome (tks Edissa!). Os dez blogueiros convidados – eu no meio – ficaram lá, na platéia, em pé, esperando pra ver o que daria.

Em resumo: os blogueiros conseguiram subir ao palco – levaram suas próprias cadeiras. Roubaram o microfone ao menos para se apresentar (éramos 10 espremidos em uma mesa, fora a “velha guarda”). De novo, me desculpem os blogueiros na mesa, mas era gente demais e não consigo lembrar o nome de todos. Cardoso, Exu Caveira Cover, Pollyana e Ana Carmem estavam lá. Muitos entraram mudos, saíram calados. Tudo que consegui falar foi meu nome, meu site e, em outra oportunidade, contar uma historinha rápida sobre um problema tecnológico que tive numa editora pequena que trabalhei.

Etevaldo bateu na tecla que blog se faz com credibilidade. Concordo. Mas blogs por aí não falam necessariamente de notícias como se faz em um jornal. Existem blogs de literatura, de cinema, de música, ciência e quantos temas se fizerem necessários.

Doria criticou a falta de profundidade da “blogosfera”. Concordo tambêm. Ele é um crítico ferrenho ao estranho “modelo de negócios” criado por muitos blogs brasileiros: criar posts não para informar, opinar, pensar, mas sim para atrair leitores via Google (não é difícil de fazer) e ganhar algum trocado com o que vem dos links patrocinados. É divertido trocar links e conhecer novas pessoas em nome de um PageRank maior. Aumenta a visitação? Sim. Mas é válido? Se falta modos de comportamento à  blogosfera, por que não se segue um código de conduta?

Não acredito que seja válida uma divisão entre “blogueiros” e “jornalistas”. Eu sou jornalista de formação, me orgulho de 98% das coisas que fiz na “velha mídia”, ainda escrevo para jornais e revistas e, para mim, o blog foi a forma mais simples e direta de passar uma mensagem. Aqui eu apuro, edito, publico. Só mudou o formato, mas a essência do meu trabalho é a mesma.

Em alguns blogs, não é essa a essência. E acho que esses blogs têm seu valor também. Para expor idéias, extravasar sentimentos e até ser um diário online. Conhecidos meus – jornalistas, publicitários ou designers, não importa a profissão – têm ótimos textos, envolvem uma comunidade ao seu redor, conseguem cativar a audiência de um modo que muito jornalista em grande imprensa não dá conta. Dos três exemplos que citei acima (Cora, Riq, Mario), nenhum se parece muito interessado em conviver com a dita “blogosfera“.

E aqui concordo novamente na vantagem dos blogs em relação ao jornalismo tradicional, ou melhor, às grandes empresas de comunicação: blogs conseguem ser ágeis, rápidos, diretos, multimídia de um modo que uma grande editora não consegue, muitas vezes por ter uma estrutura engessada, difícil de mudar (seja na cabeça da direção ou até num pequeno detalhe como o sistema de publicação na web). Por isso muitas revistas têm blogs, mas eles parecem desculpa para desovar informação que não cabe na revista ou “vamos escrever qualquer coisa porque o diretor de redação mandou”.

Pedro Doria reclama, com razão, de uma falta de engajamento nos blogs. Faltam blogs mais “cabeça” no Brasil? Brasília que o diga – e quem manda nos blogs nessa área está ligado aos grandes jornais (Josias na Folha, Noblat no Globo) e tem vasta experiência (e jogo de cintura) com a política. Pode um blogueiro fazer isso sem sujar as mãos (ou o terno) no Planalto? Não sei. Assim como faltam blogs como Daily Kos, Scobleizer, TechCrunch por aqui.

Cardoso, o blogueiro de 1 milhão de dólaresA discussão de “monetização” nos blogs é falha – aqui eu cito uma frase do Fabio Seixas no Twitter um tempo atrás: como um blog que não tem nem três meses de vida consegue ensinar outros blogs a ganhar dinheiro? Não dá. Google AdSense (e tantos outros programas de links patrocinados) começam a dar dinheiro só quando a audiência é grande, e temos pouquíssimos exemplos no Brasil. E não venha falar que aceita posts patrocinados (olha a ética aí­ de novo). A audiência só vai crescer se o blog tiver conteúdo original, que consiga cativar o leitor a voltar. Credibilidade é isso, não?

(Quando começou o papo de monetização no debate – e de que “blogs fazem dinheiro”, o Cardoso, sentado ao meu lado, tirou uma nota de 1 milhão de dólares da carteira e posou para a foto ao lado).

Acredito muito que a blogosfera brasileira , mesmo com seus proclamados 10 anos de idade, ainda está na sua tenra infãncia. Vai crescer, amadurecer, aprender com os erros. É um erro se achar melhor que os outros – talvez um excesso de carinho inédito dado aos blogueiros na Campus Party tenha inflado alguns egos por aí. Humildade, galera, humildade. Com o tempo, isso passa e some – espero.

Pra finalizar: não imaginei que o debate fosse levar ao que levou, com gente apontando dedos de todos os lados. Menos gente na mesa e uma conversa prévia teria ajudado muito a elevar o nível da discussão. Do jeito que ficou, pareceu que ninguêm ali era profissional de comunicação. Poucos falaram, e muito pouco se discutiu com profundidade. Uma pena.

E chega de discutir o sexo dos anjos. Este Zumo quer falar de tecnologia, isso sim.

Escrito por
Henrique Martin
28 comentários
  • Olha que eu escrevi isso hoje, após uma noite de sono mal dormida. Se tivesse escrito ontem, acho que escorreria sangue deste Zumo…

  • Cara, mandou bem! Essa discussão de blogs X mídia tradicional não leva a lugar algum.

  • Eu deveria ser o maior fracasso do mundo dos blogs. Recusei-me a ter anúncios patrocinados, não tenho a mínima regularidade para postar, falo de assuntos obscuros, meu estilo é rabugento e escrevo textos imensos que dão preguiça de ler.
    Mas o blog é um sucesso enorme de leitura, de troca de ideias e de relacionamento com pessoas. Mesmo parecendo que não faço nada pelo bem dele.
    Talvez o sinal mais evidente de sucesso seja a existência de inimigos virtuais – gente desconhecida que odeia o que escrevo mas se inflige a tarefa de ler tudo e tentar me atacar nos comentários.
    Na blogosfera, muitos parâmetros são invertidos. Esse é apenas um exemplo. E desde que entrou a promessa de grana, a fogueira dos egos voltou ao nível primitivo. Vontade de me integrar a isso? Hm.
    Quanto a hostilizar jornalistas e forçar uma separação, é tudo palhaçada, mais uma vez movida a egos e dinheiro. A maioria dos bons blogueiros tem background de jornalismo e muitos atuam simultaneamente no que supostamente seriam dois campos antagônicos. Engulam.

  • Sensacional. Todos os lados precisam amadurecer, aprender e abrir a cabeça. E isso ficou claro no debate. Bjs

  • Afinal, quem é o blogueiro? Uma pessoa que se traveste de jornalista? Um jornalista que busca canais mais eficazes para se expressar? Um novo agente da comunicação cidadã? Um intelectual? Um picareta?

    A resposta parece ser “sim” a qualquer pergunta que se faça. Pois um blogueiro é simplesmente alguém que se expressa pela internet – e, diante disso, o termo “blogueiro” fica cada vez mais oco. Sim, existem blogueiros; mas o blogueiro, aquele ícone que representaria uma categoria, não existe.

    O foco volta-se obrigatoriamente, portanto, para *como*, *por que* e *para quem* eles Рesses cidaḍos, esses blogueiros Рse comunicam.

    Nesse oceano, os jornalistas e aspirantes-a-jornalista são apenas um dos mares. E examine os blogs ditos noticiosos: há de tudo. Tem os jornalistas, os que fingem ser jornalistas mas cumprem sua função e até os que, fingindo ser comunicadores, insultam os jornalistas de carreira.

    Não cabe aqui abrir minhas opiniões sobre todos eles – especialmente sobre estes últimos, que abusam do respeito e da paciência da gente. Há, entanto, algo que não se pode negar, que é o direito de cada um desses blogs de expor suas opiniões.

    Como conciliar tantos egos, tantas mentes livres? O código de conduta parece, de longe, ser o caminho mais razoável. Quem busca credibilidade deve *sempre* deixar claro ao leitor o que ele está lendo. É ficção? É notícia? Como o fato foi apurado? Como foi checado? Quem me paga? Que empresa me ajuda?

    O curso de jornalismo, dizem alguns, é inútil. Mas o *exercício* do jornalismo, em qualquer meio, segue um rito – é daí que vem sua qualidade.

    E a obedi̻ncia a ritos requer um compromisso Рque pode ser assumido numa cola̤̣o de grau, ou consigo mesmo, diante do monitor, antes de postar sua mais nova id̩ia.

    Apesar de diferentes, os blogueiros têm algo em comum: escrevem para ser lidos. É no interesse do leitor – e no produto cultural que está recebendo – que devemos pensar. Numa produção pautada por *valores* de respeito, de reconhecimento do trabalho alheio e pela verdade.

    Sejam profissionais ou não, sejam “cabeça” ou superficiais, sejam ligados à velha indústria ou não.

    Trabalhar com idéias e seguir todos esses preceitos aí não é fácil. Quem tentar vai perceber logo. São pressões, atalhos, facilidades, interesses. Muita gente grande já escorregou aí.

    Tudo o mais me parece irrelevante.

  • Acredito que blog é uma outra mídia, um outro ambiente. Tem muito mais agilidade que a “velha mídia”, mas pode pecar pela falta de zelo. O que tem deixado os blogueiros infurecidos são campanhas como a do Estadão de denegrir a imagem dos blogueiros.

    Não sou e nem tenho o interesse de ser um problogger: meu blog para mim é um diário e um backup cerebral. Tenho minha profissão e me orgulho dela, mas acho que existe uma questão de respeito aí, que não está havendo em ambos os lados.

  • O objetivo de um debate não é o consenso. O objetivo é o confronto entre idéias distintas. Caso contrário, não é um debate de verdade. É uma simples conversa.
    Um debate não precisa ser amigável. Por exemplo: você tem um amigo com idéias com as quais você não concorda. Porém, ele tem ótimos argumentos, ou seja, não é um simples fanático que não consegue nem fundamentar seu ponto de vista. Vocês conversam sobre tais idéias, ambos discutem, até de forma calorosa, mas sem ofensas, sem xingamentos. Logo após, sentam-se na mesa do bar, tomam uma cerveja e falam sobre futebol. *ISSO* é um debate.

  • Aliás, por que um jornalista não pode estar ligado a um grande jornal ou uma grande revista?
    O Brasil sofre de “isentismo”. Todo mundo quer fazer de conta que é imparcial. Eu não quero jornalistas imparciais. Estou cansado deles. Quero que os jornalistas tenham suas idéias, não tenham medo de escondê-las, e que saibam expor seus argumentos de forma clara, concisa e fluida.

  • O nome da moça da Abril é Fabiana, mas não lembro o sobrenome. O resumo está excelente. Ainda temos muito o que aprender.

  • João Marcus
    Mas um debate é melhor ainda quando os dois lados têm o mesmo espaço para falar. Se não fosse a pressão dos blogueiros para subir ao palco, teria sido um local para acusar (e o Pedro Doria apanhar, no caso). A solução? Menos gente, mais qualificação. Que tal 5 pessoas; 2 blogueiros, 2 jornalistas e 1 mediador?

  • João Marcus, não é que todo jornalista queira ser imparcial. É que, em nome da honestidade para com o leitor, decidiu-se que as notícias seriam organizadas em informativas e opinativas, deixando-se claro qual é qual. Se você quer opinião, leia uma coluna ou uma página de editorial; se quer informação, ela estará lá, e quem a redigiu teve a isenção como *meta*: ouviu os lados, procurou um contexto, humanizou a história. Curiosamente, o blog tem servido para que jornalistas que serviram por tanto tempo apenas informação possam exercitar seu lado opinativo.
    As opiniões estão aí. Basta servir-se das boas fontes.

  • Acabei de assistir a apresentação do case de renovação da redação do Daily Telegraph, quem apresentou foi a Fabiana Zanni, da Abril. Será que é ela a moça simpática?

  • Esses problemas são antigos (já os relatei aqui e aqui), e não serão resolvidos a curto prazo. A questão é: bloggers deveriam parar de discutir essas questões existenciais, e se dedicarem ao blog em si. É mais produtivo, e traz melhores resultados.

    Mas, enfim, cada um faz o que quer. Há tempos cansei de defender a causa dos blogs éticos através de textos inflamados e criadores de polêmica. Ainda defendo essa “classe”, mas de maneira melhor: fazendo no meu blog o que acho ser o correto, o que gostaria de ver nos outros blogs.

    Um dia, quem sabe, teremos uma parcela maior de blogs relevantes e interessantes, ao invés de caça-pára-quedistas exploradores…

    []’s!

  • “blogs conseguem ser ágeis, rápidos, diretos, multimídia de um modo que uma grande editora não consegue”

    agora me diga se eu quero mais disso, por favor??? chega de mídia rasa, peloamordedeus! (não troco o meu caderno Mais! de domingo na Folha de S. Paulo por nada – e tenho dito!

  • Julio

    O Mais é exceção ao jornalismo-fábrica-de-salsicha que se vê por aí. Ele, para mim, é o que os jornais e revistas deveriam se dedicar no futuro não muito distante: análises profundas, opinião válida, reportagens mais extensas… pena que o índice de leitura desse tipo de artefato bem produzido é cada vez menor nos jornais.

  • Campus Party – Blogueiros x Jornalistas, o falso embate…

    Blog é liberdade. Ninguém a não ser você tem o direito de interferir nas suas pautas, no tamanho dos seus textos, na freqüência de atualizações e principalmente nas suas opiniões. Seu blog é a sua TV Globo, a sua Folha de S. Paulo, a sua Reut…

  • Sou partidária do blog diário e opinativo. Tenho um que não atualizo há tempos, admito, mas não vivo em função dele, tenho um trabalho à parte. (Há quem viva pra isso. Parabéns!). A discussão de blogueiros e jornalistas é patética, pois acaba parecendo um jogo de ofensas simplesmente. Basta ver os adesivos simpáticos colados no aquário dos jornalistas no Campus Party. Me lembra o tempo da faculdade, quando Jornalistas brigavam com RPs. Voltei aos 18 anos!
    Fui ontem à Bienal, e pra minha decepção, o evento já tinha terminado. Questionei inúmeras vezes durante a semana a validade de um evento assim. Vi muita gente criticando a eficiência disso, e poucos validando. As revistas semanais de hoje me deram alguma luz sobre o assunto: parece que teve gente fazendo coisa útil. De resto, vários, muitos teras de download e muito lixo deixado pra trás. Alguém pode me dar um exemplo prático e útil do evento, principalmente quem acampou 1 semana?

  • Aproveitando o post da Juliana.
    Quem foi o “inteligente” que encerrou o Campus Party num domingo às 14:00hs??
    O parque estava absolutamente lotado, as pessoas chegavam e eram informadas que o evento já havia acabado. Estranho, pois no programa falava que era até o dia 17/02. Porque não encerraram às 19:00?
    Quem foi se lembra das mochilas verdes distribuídas para os participantes.
    Pois bem, no domingo vi o ABSURDO que fizeram.
    Recolheram todas as mochilas e o conteúdo delas ( pipoca para microondas, caneta, bloco, livro do CGI, chaveiros, penduricalhos de celular e muito papel) estava tudo indo para o lixo, isso mesmo, para o LIXO.
    Nem para separar a pipoca e mandar para alguma instituição.
    Bem, em se tratando de “verde” o Campus Party deixou MUITO a desejar, muito mesmo.